sexta-feira, outubro 27, 2006

Vida Da Fonte Da Vida


Li um texto de Raúl Brandão_ «Há que tempos». Uma memória que a mim e aos pupilos fez levitar. E pensar... Espero que a eles também brote o ímpeto da escrita.

Que melhor metáfora que a da fonte para a criação e renovação da vida e dos seus belos pormenores? Pois é. Haverá outras, talvez. Mas alguma mais ilustrativa e cabal no simbolismo? Vejamos.

Fonte materna que gera e amamenta o ser
Fonte de energia que agita e faz mover
Fonte de inspiração (que em mim teima adormecer...)

Fonte sábia onde se bebe o conhecimento
Fonte infantil que traz o sonho com o vento
Fonte de vida em terra, nas águas ou firmamento

Quando te vejo,
és fonte do meu contentamento
Quando te sinto,
és fonte do meu prazer
E quando te vejo ir, vem a fonte do vão desalento.

Há vidas em que a fonte seca. Julgo mesmo que há vidas sem fonte. E ela é tudo...

quinta-feira, outubro 19, 2006

O inverso

Dita-me o tempo que a língua não morra
Dita-me a língua o perpetuar do tempo
Percebe-se na vida a importância da palavra
Percebe-se na palavra o quanto se quer a vida
Querem as mãos agarrar o texto todo
Quer o texto dominar todas as mãos
Corre a água à sua vontade
Corre a vontade ao sabor da água

Só não sigo eu os passos que escolho
E escolhem-me os passos que tenho para dar
E não passo dos passos que me estão a passar!

quarta-feira, outubro 11, 2006

Meu Avô

Um dia pede-me o meu pai que vá à internet. Faz já mais de um ano.«Procura este blog»_disse-me ele. Assim fiz.
Quando lá chego descubro um texto que veio a ser o mais especial texto biográfico que pude ler até hoje. E nele revi um pouco de mim. António Jacinto Pascoal foi o seu autor, a quem, mais uma vez, agradeço. Ao seu texto, segue-se o meu comentário, que esclarece o que senti.
Álvaro Cid: um herói discreto de Monforte*
Álvaro José da Trindade Cid (1903-1976) nasceu em Monforte e tem um trajecto existencial de inegável importância, dado o seu carácter intrinsecamente contestatário, num tempo em que ser anti-fascista era salvo-conduto para a anulação pessoal. Como as pessoas comuns, que não adquirem estatuto visível no domínio do grande público, Álvaro Cid atravessa a história do século XX, em Portugal, sem que se dê por ele, mas fica a sua indelével marca na vida sócio-política da vila de Monforte. Como sempre, para além dos grandes mitos e dos «heróis» consensuais, a história é feita de pessoas iguais ao comum dos mortais, decisivas, contudo, para o processo dessa mesma história.
Álvaro Cid continua a ocupar uma posição obscura na história do antifascismo português, até pelos poucos registos que nos são dados conhecer. Não sabemos se foi membro do Partido Comunista Português, embora tenha sido perseguido pela PIDE/DGS por esse motivo; sabemos, contudo, que esteve sempre longe de ser conotado com o situacionismo e que pugnou pelos direitos dos trabalhadores, que, reconhecidos, o levaram em ombros até à sua morada final, numa urna coberta pela bandeira do PCP.
Álvaro Cid nasceu num dia 3 de Dezembro de 1903, filho do comerciante José Maria Cid, um antifascista de raiz republicana, e de Rosa Emília da Trindade Cid. O pai fora Presidente da Câmara Municipal de Monforte e, em sua casa, chegou a promover actividade política, destacando-se o comício de apoio ao Dr. Arlindo Vicente, feito no quintal, com os oradores instalados na varanda. O carácter antifascista do pai, a sua própria admissão na C.M. de Monforte como funcionário e a sua posterior expulsão, por motivos políticos, moldaram o seu temperamento e instigaram-lhe a vontade de pugnar pelo estado democrático, o que lhe valeu ter tido adversários políticos e perseguições várias.
Casado e com quatro filhos, Álvaro trabalhava no Assumar, na «Casa Vaquinhas», pertença de Francisco José Vaquinhas, homem de grande dignidade e respeitador dos direitos dos trabalhadores, reconhecendo no seu empregado uma figura de elevado valor. Na altura, Álvaro integrava as fileiras das instalações fabris, onde se produzia gasogénio e «brikets». No Assumar, um Professor Primário (JVTT), representante da União Nacional, ter-se-á apercebido das tendências políticas de Álvaro e chegou a agredi-lo, ameaçando-o de o «dar como comunista». No dia seguinte, foi preso. Estávamos nos finais dos anos 30, por alturas do Natal e isso repercutiu-se negativamente na casa de Álvaro. Ao Professor Primário valeu-lhe passar a ser alcunhado publicamente de «o canalha». Já depois deste incidente, «o canalha» voltou a perseguir várias vezes Álvaro, com difamações e perjúrios, quase sempre por alturas de eleições ou do 1º de Maio. Álvaro era já um agitador político, que reunia em casa o Coronel Velez Caroço, o Dr. Manuel Portilheiro e o Dr. Florindo Madeira, todos conotados com a oposição. Aliás, o Dr. Florindo Madeira estudara em Coimbra com Álvaro Cid, sendo correligionários. A este propósito, diga-se que Álvaro Cid, por razões pouco claras, não terminou o antigo 7º ano (actual 11º), tendo estudado em Coimbra e Lisboa, onde contactou com grupos da oposição salazarista.
Entre os anos 30 e 40, fez propaganda política nos concelhos de Arronches, Monforte e Campo Maior, de mota, que comprou para o efeito. Chegou, inclusive a ser um amigo íntimo de Álvaro Cunhal.
Mais tarde tornou-se viajante, ao serviço da Casa João Camillo Alves, em negócios de distribuição de vinhos.
Das várias vezes que foi preso, recorda-se um caso em que, desprevenido, já dentro do jeep da GNR, metia à boca o retrato de Lenine e o comia, para não sofrer represálias maiores; chegado a Alter do Chão, simulou uma dor intestinal e despachou o ícone revolucionário, que lhe poderia valer uma entrada na «frigideira» do Tarrafal. Quando foi detido pela última vez, em 1951, residia já em Évora e era funcionário da Casa Camillo Alves: os dois elementos da PIDE, Silva e Candeias, deram-lhe voz de prisão, ao que Álvaro retorquiu que na sua consciência nada lhe pesava, querendo saber o motivo da detenção. Tendo o Sr. Candeias dito que o motivo era político, Álvaro não hesitou e respondeu «Estou ao vosso inteiro dispor. Se me permitirem, vou-me despedir de minha mulher e de meus filhos». Ouviram-se-lhe ainda estas palavras: «Coragem, Maria! Coragem, rapazes! O pai voltará!». Seguiu para o Aljube, sendo quase todos os dias interrogado na António Maria Cardoso (com sevícias brutais: colocado sobre bancos de cozinha, encandeado por lâmpadas de 500 velas, espancado e com os dedos esmagados, ao som das gargalhadas dos algozes). Depois foi transferido para Caxias, onde só a mulher o podia visitar. Foi numa das celas que fez o célebre dominó: um dominó com dezenas de peças, construído com miolo de pão e que faz hoje parte do espólio museológico da C.M. de Monforte. Durante os 14 meses de cativeiro, o viajante substituto entregava à mulher de Cid o respectivo ordenado, para não comprometer a casa que lhe dava emprego.
Sabe-se que em 1971, por documento pertença da C.M. de Monforte, a PIDE/ DGS enviara um ofício confidencial ao então Presidente de Câmara, Sr. José Maria Soeiro Romão. Ali se apresentavam os dados de Álvaro e lia-se uma breve nota: «É elemento que professa ideias comunistas. Em, 29 Abr. 1971». Cerca de 3 anos depois, a revolução permite-lhe imaginar que o seu passado não foi em vão e que, em sacrifício do seu bem-estar e do dos seus familiares, a sua dignidade mantinha-se, pois nunca se vergara ao regime salazarista.
Em Maio de 1974 torna-se Presidente da Comissão Administrativa e foi no exercício das suas funções que veio a falecer, no Hospital de S. José, em 1976, com 73 anos.
Durante grande parte da sua vida, escreveu artigos para o «A República», «O Século», e para periódicos mais modestos como o «Notícias da Amadora» ou «A Rabeca» de Portalegre. Sabe-se que nunca se tomou de rancores e que tratou os seus inimigos sempre como adversários políticos. Escolheu, porém, o lado da barricada mais difícil. Com isso, não teve os privilégios que poderia ter alcançado, mas alcançou aquele que é o mais caro: a dignidade da consciência.
Chegado de Lisboa, para ser sepultado, os trabalhadores de Monforte retiraram-no do carro onde seguia, carregando-o em ombros. Álvaro Cid não quis cerimónias religiosas. Mas não prescindiu da bandeira comunista sobre a sua urna. Sofreu por delito de opinião e os seus crimes foram apenas as suas crenças. Esteve preso porque pensava doutra maneira, numa sociedade atrasada e periférica que nunca prezou inovações, caracterizada por uma cultura de repressão e exclusão. Álvaro afrontou essa repressão. Desta coragem é feita a massa dos homens desassombrados. Poucos, mas imprescindíveis. Monforte deve reconhecer-lhe o lugar que merece, porque é exemplo para as novas gerações. A escola é o lugar onde o seu nome deve começar a ser estudado e descoberto. Para que não falte nenhuma peça do dominó.
Espanta-nos que a História esteja aqui mesmo a um passo.

Comments:
sandra cid said...
Curioso o cognome aqui tão condignamente atribuído: «herói discreto». Álvaro Cid foi precisamente isso para mim ao longo de toda a minha vida. Sem o conhecer, esteve sempre comigo.Desde criança que oiço histórias da sua bravura invulgar, episódios de grande audácia e perseverança que lhe trouxeram, invariavelmente, pesadas dores. Dores físicas e da alma, sendo estas últimas, acredito, as mais difíceis de suportar. Mais que um antifascista, mais que um membro da oposição política, Álvaro Cid, meu avô, foi um lutador pelos direitos humanos, recusou conivência com a injustiça, sendo incapaz de se manter indiferente à arbitrariedade cruel do regime político então vigente. Poderia ter-se subjugado à força ameaçadora do governo e seus tentáculos, mas não o fez. Tinha consciência das consequências nefastas, para si e sua família, mas, ainda assim, imperou o seu sentido de dever, ou mesmo necessidade,de participar na demanda dos direitos do povo português.Por tudo isto é grande o meu orgulho em o ter como avô, Álvaro Cid.Nasci em 1976, dias antes da sua morte. Não me pôde conhecer, mas eu conheci-o, o que só posso agradecer ao meu pai, que ao longo destes anos fez questão de pintar um retrato vivo de seu pai, permitindo-me obter os seus ensinamentos , apesar do desencontro físico. E,agora, agradeço-lhe a si, caro António Jacinto Pascoal, por esta lembrança, que resultou num belíssimo texto biográfico e literário, o qual concedeu ainda um momento de emoção e comoção aos familiares. Veio, sem dúvida, contribuir para a história de um país, em particular de Monforte, ao avivar a memória de um homem raro como Álvaro Cid. Em meu nome e de meu pai, Manuel Cid, bem haja!
Só assim te posso homenagear, Avô, perpetuando quem foste, cantando as tuas glórias.
Ocorre-me um breve pensamento: curiosa a forma como, umas vezes mais consciente, outras menos, o homem se sublima e eleva, tentando impor o antropocentrismo em natural erupção...

Desabafos. Por agora basta.

ExtraOrdinary Teachings

Today I must pay court to him. Not that it is a need. It will be even less a newness.
It's simply because I want to. It's also because Jaques voice in As You Like It by William Shakespeare has told me a lot.
Among other more obvious truths, because it has eliminated the exhaustive notion of temporariness always applied when interpreting an author. Shakespeare (just like Camões) escapes to yesterday, today and tomorrow. And most important of all, his lessons will be forever taught.

All the world's a stage,
And all the men and women merely players;
They have their exits and their entrances,
And one man in his time plays many parts,
His acts being seven ages. At first, the infant,
Mewling and puking* in the nurse's arms.
Then the whining schoolboy, with his satchel
And shining morning face, creeping like snail
Unwillingly to school. And then the lover,
Sighing like furnace, with a woeful ballad
Made to his mistress' eyebrow. Then a soldier,
Full of strange oaths and bearded like the pard*,
Jealous in honour, sudden and quick in quarrel,
Seeking the bubble reputation
Even in the canon's mouth. And then the justice,
In fair round belly with good capon* lined,
With eyes severe and beard of formal cut,
Full of wise saws* and modern instances;
And so he plays his part. The sixth age shifts
Into the lean and slippered pantaloon*
With spectacles on nose and pouch on side;
His youthful hose, well saved, a world too wide
For his shrunk shank, and his big manly voice,
Turning again toward childish treble, pipes
And whistles in his* sound. Last scene of all,
That ends this strange eventful history,
Is second childishness and mere oblivion,
Sans* teeth, sans eyes, sans taste, sans everything.
(As You Like It, 2. 7. 139-167)

Puke According to the Oxford Dictionary, this is the first recorded use of "puke" meaning "to vomit." Previously the word had been used to mean a dignified dark brown colour. Not surprisingly, once the new meaning took hold, the previous meaning disappeared rapidly; its last recorded use was in 1615 (As You Like It was written in about 1598).
Bearded like the pard As hairy as a leopard.

Capon A capon was a castrated rooster; the capon was considered a delicacy, and may well have been used to bribe officers of the law.
"Wise saws" Well-tried proverbs (clichés perhaps), contrasted with modern precedents. The judge is in more than one way well-rounded.
Pantaloon A reference to the figure of Pantalone in the Italian Commedia dell'Arte
tradition. The Pantalone was a foolish figure, made fun of by the other characters.
His
The use of "its" for the neuter possessive pronoun did not become normal until late in the seventeenth century; "his" here is therefore generic in meaning.
Sans Without (Jaques is affecting some courtly French).

sábado, outubro 07, 2006

Reflexão


É o rasgo que dilacera e desune.

O pano, a pele, a vida, os elos, os corações, as mentes, os irmãos, os amigos, as telas, as obras, a flor, a folha, o tempo,...

A tudo se aplica o rasgo, e com dor, com noção de perda que se eterniza como ferida que não sara.

Ergam-se as agulhas e as linhas em perfeita comunhão para que o rasgo se não eternize!

sexta-feira, outubro 06, 2006

Quando a Lua encontrar o Sol...


Nem sempre se pode brilhar
Mesmo que o instinto a isso obrigue

Nem sempre ilumina a nossa luz...

Ela pode muitas vezes ofuscar
E percebo que nem sempre se controle o seu raiar

Mas
Por detrás do obscurantismo da tua luz
Jaz o branco que eu conheço
Pelo qual tenho interminável apreço
E que a bom porto te conduz
Portanto, deixa-te guiar e esquece o escuro que te seduz

Sei que não é como o candeeiro do quarto
Onde o interruptor determina que se ligue ou desligue
Ordenando a hora
do anoitecer e da aurora
Muito menos será a vela que se acende ou apaga
Num breve gesto ou fraco sopro
Que, conveniente, se dissipa ou propaga

A tua luz é indomável
É a luz que seduz
É a luz que cativa
E que logo se assusta e esquiva

Encontras o quarto que queres iluminar
E logo te parece não ser aquele onde ficar


É da noite a tua luz.
Deveria talvez ser do dia...

O luar lança o feitiço
O sol revela o caminho
E se juntares as duas luzes
Claramente se definirão os passos felizes
Que impossíveis te parecem, segundo dizes

Deixa-te brilhar, meu Luar
E encontra-te infinitamente com o teu lado solar

Um beijo amigo

quarta-feira, outubro 04, 2006

Fundo de Mim


Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.

Assim aconselha(va) a sábia sensibilidade e empirismo de Eugénio de Andrade.
E eu sou uma fiel seguidora neste momento em que a descida aos infernos nada traz.
Hoje esconde-se a descoberta.
Encontro-vos ao subir.